Vozes ácidas
nasciam por entre a negrura, delineavam um cardume de ausências naquele
silêncio grave, um fumo eterno escorria, de uma das muitas janelas de pó, que
iluminavam o céu estrelado, o olhar novo da tenra serra irradiava a luz, de uma
vivência inexistente, percorria-a com dedos firmes, cerrando as pálpebras
embrutecidas, deixando-se cair na miragem que o esquecera.
Olhava o teto seco num esgar de pedra, nas densas ruas crepusculares que erguem
as margens do Inferno, fitava todas as coisas com o seu olhar demente, um
sorriso plácido rasgava o rosto espinhoso, que o envolvia pelo romper da
aurora, matutava remotamente sobre coisa nenhuma, evocando cânticos perenes que
nasciam na neblina, gemendo sons que eram imediatamente colhidos pelo púrpura
estelar, abrilhantado a pele do seu corpo astral.
Seus dedos martirizavam-se, no poço oblíquo do jardim, olhos cansados marginalizavam-se
nas simples farpas do pensar, contemplava ali o crescer da vegetação, deitado
sobre o chão de veludo fitava o universo, expressões marítimas e indeléveis que
assinalavam a sua falta, por entre aquelas saliências de tez opaca que o confundiam.
Ninguém mais era, senão na falta, senão no valor que as coisas nunca tiveram,
era ele mais uma tentativa falhada da existência, era ali naquela imagem de
ausências, que o som monocórdio da vida o penetrara e esquecera no seu deitar,
era aquele o vácuo de carne que iria morrer juntamente com todo o cosmos, toda
uma alegria melancólica morrerá, com o abafar do som das artérias finas do
espaço, desenrolam-se novelos de silêncio no rugoso horizonte que compõe um céu
mudo.
Movimentos imaginários atravessam-no, o alecrim fresco florescia no seu sonho,
veias sulcadas eram como raízes de uma árvore sem memória, encarava a serra a
partir da sua própria paralisação, fontes de água mansa corriam levemente pelos
seus cabelos, submergindo a cólera plantada em torno do seu jazigo, vozes
aquáticas marulhavam ao sabor do destino.
Fregueses viçosos tornavam o seu olhar num mistério, um azul franzino cobria
toda aquela tosse doentia, materializando um horizonte de cores pálidas, um
cabelo ralo de avelã era recortado pelas sagas brancas do tempo, brancura
reluzente das manhãs puras de Inverno, espelhadas no teu rosto monótono de
feições frias.
Baloiçava toda um crepúsculo inacabado, pelos ventres da vida, um rosto frio
habitava tudo, o banco estava frio como todo o jardim, como afinal todo o
Universo…
Sulcos velhos
presenciava a infinita face das estrelas, estrelas riam numa demência
semelhante à sua, securas brilhavam ao relento, as feridas cicatrizavam na
incoerência do espaço…
cê.de.cê